A CRIAÇÃO

         Certa vez, no paraíso, enquanto fazia suas macaquices, o macaco aproveitou de uma oportunidade e pôs-se a reclamar de sua condição ao Criador, quando Este passava por ali em uma de suas visitas rotineiras a Terra.
         _ Deus, ô Deus!
         Deus nem precisaria virar-se para saber quem o chamava, mas o fez por saber que era muito importante olhar de frente e nos olhos de suas criaturas.
         _ Fala, macaco, qual é o seu problema?
         _ Meu problema é que o leão quer me comer, o gorila quer me bater, o elefante quer me pisar e o rinoceronte quer me chifrar. Poxa! Não dá para viver com medo assim, Deus! É isso! Eu não agüento mais esta história, tenho de viver em cima das árvores e ficar pulando de galho em galho por causa destes animais enormes que o senhor criou.
_ Macaco, pare de reclamar.  Você nem vivia aqui na Terra quando eu criei os dinossauros, aqueles sim eram animais enormes e fortes. Eu devia tê-lo criado nesta época. Você viveria tremendo de medo, e não adiantaria você ficar pulando de uma árvore para outra, porque não sobrava nenhuma em pé no caminho deles. Aliás, foi por isso que tive que extingui-los. Pois, fiz um paraíso tão bonito e eles estavam destruindo tudo: pisavam nas minhas árvores e nas minhas flores, e além de tudo, evacuavam demais!
Deus lembrava-se daquele jardim maravilhoso, com aquelas plantas exóticas que criara e sentia saudades daqueles tempos, pois, no fundo, guardara certo carinho por aquelas criaturas gigantes que havia criado e houvera sido “obrigado” a destruí-las. Porque, ou eram elas, ou era a Terra.
Mas, agora, cansado de tantas reclamações do macaco que não perdia a oportunidade de reclamar em todas as vezes que passava por perto, Ele se decidiu por um projeto que há algum tempo acalentava, e lhe disse:
_ Estou mesmo precisando criar um novo animal para domar estes animais gigantes e cuidar deste planeta, talvez você fique mais satisfeito depois disto. Mas ouça, se reclamar de novo, vou extinguir a sua espécie da face da terra! Vá lá fora e me traga um pouco de barro do riacho.
O macaco rapidamente cumpriu as ordens e trouxe o barro. Deus começou a esculpir a sua obra e enquanto trabalhava, o macaco continuou fazendo suas macaquices e atormentando o Todo-Poderoso com suas perguntas:
_ Como será este novo ser, Deus?
_ Um pouco parecido com você, assim, com duas pernas e dois braços, e mais alto do que você, com uma distribuição diferente das proporções do corpo. O quê você acha, macaco? – respondeu o Criador.
_ Muito bom! Quer dizer que ele vai ser meu parente?
_ Vai ser um primo distante, vamos dizer assim. E como é você que vive reclamando dos outros animais, e foi você que buscou o barro, então, de certa forma, ele vem de você! Aliás, ele vai gostar de você e vai protegê-lo sempre que possível. Mas preciso lhe dizer uma coisa, ele é totalmente diferente de você. Ele vai nascer pelado e...
_ Não vai ter pelo? – interrompendo o Criador - que bicho mais feio o senhor está criando... Deus, o senhor já foi melhor...
_ Macaco, fique quieto, eu sou Deus e tudo o que faço é perfeito!
O macaco não ficou quieto, apenas não quis contestar a autoridade divina, mas continuou com a sua algazarra e falando tanto na orelha de Deus que este fez o molde completo com um pouco mais de pressa do que queria.
_ E a cara dele como vai ser, Deus?
_ Ora, macaco, vai ser a minha cara, se este animal vai domar os grandes animais, tem que ter um rosto que inspire respeito, assim como o meu.
...
E enfim, após terminar a obra, Deus soprou o barro e lhe deu a vida. Esfregou as mãos e levou o novo ser para o alto de um morro, juntou todos os animais numa grande cratera africana e o apresentou ao paraíso.
_ Aqui está o homem, todos vocês, animais, irão temê-lo. Pois, a ele, dou o direito de cuidar de tudo e de todos. Homem, faça bom uso do paraíso e garanta que todos os animais vivam em paz. Você terá o juízo para intermediar as intrigas surgidas entre as espécies e fazer a justiça. E o seu nome será Adão, que quer dizer o primeiro de todos os homens, pois, se for bom, farei mais homens para povoar o mundo.
O homem estava ainda meio zonzo e não compreendeu direito as palavras de Deus, afinal, ele acabara de ser criado e não tinha a mínima noção do que fazia ali. Então, ele olhou para Deus, olhou para todos os animais do mundo, do menor ao maior, olhou para toda aquela mata a sua frente, e falou:
_ O que é que eu estou fazendo aqui?
E o homem, por não ter compreendido o que Deus lhe dissera, não conseguia entender o motivo de sua permanência ali. Pior! Ao perceber que, após a sua apresentação, todos os animais retomaram a sua vida normal, deixando-o só e ignorando-o completamente, ele falou:
_ E agora, para onde eu vou?
Sem encontrar resposta e sem saber o que fazer e nem para onde ir, pôs-se a caminhar pelo mundo no primeiro dia de sua existência. Quando o sol começou a se pôr e uma brisa mais fresca soprou, ele sentiu frio e precisou de um lugar para se abrigar. Procurou um canto perto dumas pedras, arrancou alguns galhos de uma árvore e, usando a sua inteligência, construiu a primeira cabana que se viu na face da terra, e adormeceu admirando o maior céu estrelado, maravilhosa visão em sua primeira noite de vida.
Assim, ele passou os dias seguintes conhecendo  o mundo. E, ao observar o comportamento dos animais, o homem aprendeu a se alimentar das frutas e raízes e a beber água fresca do riacho.
Como não tinha muito que fazer, ficava matutando sobre o paraíso. Ao descobrir que os passarinhos nasciam de ovos e que os macacos nasciam de outros macacos, ele falou:
_ E eu? De onde vim?
E dessa forma se completaram as três perguntas a que o homem nunca teve resposta porque não prestou atenção no que Deus lhe dissera.
“De onde eu vim? Para onde eu vou? E o que eu estou fazendo aqui?”
Sem saber, o primeiro homem, Adão, criou a primeira ciência do mundo, a filosofia, e, também sem saber, ele e seus descendentes nunca encontraram respostas para as primeiras perguntas humanas na face da terra. Se tivesse prestado atenção, ele teria descoberto que veio de Deus, iria para o paraíso e teria que cuidar do mundo, mas, coitado, ele estava tonto, acabara de surgir e nem conhecia o Criador direito, somente uns dias depois é que ele se inteirou de todos os assuntos divinos.
Sem nada melhor para fazer, Adão, em suas caminhadas, começou a aprontar no paraíso; comia frutas e jogava os restos para fora de sua cabana de qualquer jeito, acumulando lixo, atormentava todos os animais, uma vez, se deu mal com o leão, chegou perto demais e ficou atiçando o bicho que se voltou para ele e correu atrás a fim de lhe dar uma mordida, Adão correu o máximo que pôde e, não fosse uma intervenção divina que o fez cair num barranco e deslizar na lama até o rio, o leão o pegaria.
Um dia, depois de uma forte tempestade com raios, uma árvore seca, atingida por um raio, pegou fogo e ele chegou perto daquela luz quente. Querendo saber o que era aquilo, tentou pegar o fogo com a mão e se queimou, desse dia em diante, Adão disse que nunca enfiaria a mão no fogo por ninguém. Tendo descoberto o fogo, ele descobriu que era possível assar algumas raízes, depois começou a assar a carne de alguns animais achados mortos. Depois, descobriu que os pescados ficavam mais gostosos assados. Tendo aprendido a matar passarinhos, juntou as duas coisas e começou a fazer churrasco de pássaros, gostou muito e quis experimentar outras carnes: porco, boi, cachorro, tartaruga, peixe, quando chegou ao macaco, este voltou a reclamar com Deus.
_ E então, macaco, você nunca está satisfeito? Só não vou extinguir a sua espécie porque gosto das suas macaquices. Veja bem, por onde este homem anda não tem bicho grande, porque ele aprendeu a usar o fogo.
_ Mas ele anda comendo alguns dos meus irmãos! – apressou-se a se justificar o pobre do macaco.
_ Pois é, talvez eu não o tenha feito tão perfeito assim. Parece-me que tem alguma coisa errada nele. Se você não falasse tanto na minha orelha enquanto eu o criava, eu não teria me apressado e teria saído uma obra muito melhor!
Mais tarde, Deus percebeu que realmente a sua criação não era tão perfeita quanto imaginara e sonhara em seu coração. Foi quando o viu andando triste e macambúzio pelos jardins do paraíso. Depois, viu-o sentado numa pedra à beira da praia a olhar para o infinito do mar. Viu-o algumas vezes sem cuidar de suas obrigações, relaxado na rede à sombra dos coqueirais. Apesar de achar que o homem estava abusando um pouco do uso do paraíso, além de não trabalhar o quanto era necessário, Deus, que lia os seus pensamentos, compreendeu-o e se compadeceu dele. Pois sabia que ele sentia falta de alguém da sua espécie, por isso andava triste e acabrunhado. E então, Deus sendo Deus, resolveu ajudá-lo, e desta maneira melhorar a sua criação, que houvera sido boicotada pelo macaco. Enviou-lhe um sono profundo, anestesiando-o, para que ele não sentisse nenhuma dor, acercou-se dele. Olhou bem para a sua criação, viu que  lhe colocara costelas demais, tirou-lhe uma, e, desta, criou a mulher, a companheira do homem, a quem chamou de Eva, que quer dizer, a primeira de todas as mulheres. Deus, que tomara a precaução de não permitir a presença do macaco, disse-lhe calmamente tudo o que esperava dela e o que queria que ela fosse ao lado do homem, e a mulher prestou atenção em tudo e compreendeu perfeitamente o seu papel.
Quando Adão acordou, deparou-se com Eva e perguntou:
_ Que criatura de Deus é você que eu nunca havia visto antes?
_ Eu sou Eva, a mulher, acabei de ser criada.
Adão olhou para Eva de frente, de trás, de lado, de cima e de baixo e falou.
_ Mulher, tu és uma criatura pra lá de interessante! Deus não havia me falado de você quando me mandou reinar sobre o paraíso!
_ Claro, ele acabou de criar-me e me mandou para você!
_ Para mim? E o que eu faço com você?
_ Alto lá, Adão. O certo é o que eu faço com você! Deus mandou você cuidar do paraíso e me mandou para cuidar de você, portanto, venha cá meu peladão! Vou dar-lhe um trato!
E Adão, enfim, sentiu-se no paraíso! Sem dúvida, pensou, a mulher, como sendo a última criação de Deus na Terra, era a mais perfeita de todas as criaturas. E assim pensam os homens até hoje... Quer dizer, nem todos.
Depois veio a maçã...